domingo, 24 de abril de 2011

O tal gosto musical

Escolher um disco favorito não deve ser fácil. Pra mim, nunca foi. Na verdade até hoje não sei se tenho um. E sobre isso, sempre refleti muito. Uma coisa que hoje eu tenho como fato é que os motivos pra você gostar de uma música são vários, e muitos deles alheiros à música em si. A repetição, por exemplo, é uma delas. Não quero entrar nessa scientifc bullshit de ficar dizendo que se ouvir algo 1000 vezes, aquilo vai se tornar agradável. Não, porque até agora, fica cada vez mais irritante cada vez que eu ouço... deixa pra lá. Mas acredito sim que se aquela música se encaixa minimamente em suas referências culturais, seus valores estéticos, depois de um tempo, você estará pelo menos acostumado àquele disco, àquela música, ou o que quer que seja. E daí pra gostar, um pulo.

E é óbvio para todos que o gosto de cada um influencia muito nessa escolha. Existe uma diferença grande entre o que você gosta e o que é bom de fato. Mas o que é bom de fato? Eu particularmente acredito que existe o indiscutivelmente bom, independendo se eu gosto daquilo ou não, assim como o indubitavelmente ruim. Por exemplo, mesmo sabendo que os caras não sabiam tocar e que muita coisa deles é brega pra caramba, eu adoro o... ah, deixa pra lá - rsrs - a discussão não é esta.

Então assim, independentemente do que é bom ou ruim, o meu tipo de música favorito tem que ter melodia bonita e tem que ter swing! Sim, é basicamente isso. Mas talvez o que eu entendo por swing seja um pouquinho diferente do que outra pessoa entende, enfim... Mas quando falo isso, estou falando da composição em si. A semente da canção, a música nua. Imagine alguém tocando We Are The Champions do Queen só voz e violão, ou voz e piano e, mesmo assim, ela continuar sendo uma canção fenomenal, mesmo sem o poder da voz de Fred Mercury e sem aquele arranjo de guitarra antológico de Brian May. É disso que estou falando. E quando vem uma banda e põe um arranjo ótimo em cima, aí eu digo que sou . Inclusive, este é outro fator : arranjo! Nele, não vou me estender muito pra não ficar dois dias dando minha opinião - rs.

Já a harmonia de uma música (a sequência de acordes) é algo extremamente importante e eu acho muito, mas muito bonito mesmo, quando eu ouço uma música de Tom Jobim, por exemplo, eu vejo como ele consegue ser extremamente sofisticado, complexo, e ainda assim, soar bonito, agradável, etc. Mas não é isso que me conquista na música. Uma vez eu vi Seal dizer que o ele preza muito nas músicas dele são a melodia e o ritmo. E eu pareço muito com ele, nesse sentido. E olha, eu tive a sorte de ter encontrado um letrista soberbo que é Miguel Viana, e de ter tido algumas parcerias com outros caras de muito talento, como Casé Uchôa, Thiago Nuts, etc. E não é que eu não dê valor a letras, pelo contrário. Mas elas, como eu já disse, não são de fato o que eu observo logo de cara numa canção.

E algo engraçado que acontece é que as pessoas não raramente confundem letra com música. "Essa música é muito besta", "essa música é ruim - só tem palavrão", quando na verdade estão falando da letra. Ora, mas não é uma coisa só? Não, senhor - rs. Vejo pessoas que falam mal do Pagode atual porque as letras são demasiado sexuais, muito escrachadas, etc, sendo que grandes nomes internacionais da música, como Marvin Gaye, James Brown e outros já punham safadeza pra caramba em suas letras! Entre as bandas dos Jovens Protestantes de Plantão, o Red Hot Chili Peppers, por exemplo, que raramente faz uma música que não tem uma letra "doidona".

Não sei exatamente quando isso aconteceu, mas acredito eu, na base do achismo mesmo (o blog é meu eu faço o que eu quero aqui - rsrs) que depois da geração da Tropicália, ou talvez um pouco antes, em que as letras começaram a se politizar mais, até pelo próprio contexto político da época, as mudanças socias que vinham ocorrendo no Brasil, se consolidando de vez mesmo com o surgimento de (algumas) bandas de rock nos anos 80 (os rock brasileiro dos anos 70, até onde eu conheço, era muito mais ligado a outros aspectos musicais que não este) que traziam letras muito "sociopoliticamente engajadas" à luz do mainstream, os exemplos você já sabem de cor.

E como disse antes, não é que eu ache isso irrelevante, só não acho que seja tão imprescindível como sugerem por aí. O que eu acredito mesmo é que a letra, antes de tudo, precisa ser bem feita. Se ela trará uma reflexão sobre a vida, se é uma letra de protesto político, se é uma letra de amor, ou com um assunto incomum, ou até mesmo cheia de abstrações, não importa. O que importa é ela ser bem feita. Quando "decidi" isso no meu conceito de música popular, tudo ficou melhor. Por isso eu adoro da letra de Doidisse de Djavan, que pode ser considerada uma letra romântica, algo que sempre foi tratado por ele com muita competência; acho fantástica a letra de Killing in the Name de Rage Against The Machine - um soco no estômgado; acho um barato as letras de Carlinhos Brown que dizem coisa com coisa como a de Garoa (gravada por Simone) e Uma Brasileira (dos Paralamas); a letra de Bell Bottom Blues de Eric Clapton, que é a maior dor de cotovelo; dentro da música mais popularesca do Brasil (eu não tenho medo de soar elitista), o tal Forró moderno, no Pagode eu ouço sempre letras divertidíssimas, como aquela sobre uma garota que "é problemática, toma conhaque e quebra cadeira!" - rsrs, pois é.

Essas letras só tem uma coisa em comum: dá pra notar que foram feitas por alguém que teve talento para chegar àquele resultado, e o mais importante, foram feitas de uma forma musical! E isso não é tão óbvio quanto parece. Tem letra de música que era melhor ser uma crônica, uma folha de diário (não, não curto muito a maioria das letras de Alanis Morissette), ou mesmo uma redação de um aluno de 4º série sobre a corrupção política no Brasil, tamanha a falta de maturidade pra tratar daquilo e ainda assim meter as caras! - rsrs. Letra de música tem que encaixar na melodia, no groove, e principalmente, não pode soar forçado! Essa é minha verdade de música.

Porém, o tipo de letra que tem mais me fascinado ultimamente (há bastante tempo já, na verdade) é aquele tipo de letra que fala de coisas diferentes. O amor, as injustiças do mundo, a alegria de festejar são fontes infinitas de inspiração (ok, isso foi brega), mas existem dezenas de coisas diferentes sobre as quais falar numa letra (ia dizer milhares, mas pensei melhor - rsrs). E um vício que eu acho que o ouvinte de música tem que perder, é dar finalidade à música, e por conseguinte, às letras delas. Música para beber, música para ouvir com atenção, música para relaxar... gente, música é música! Ponto. Então se uma letra fala sobre um grupo de pessoas atravessando um deserto gelado, não vamos questionar a "importância" disso! Letra de música é arte antes de qualquer coisa. E é uma parte dela que não é nem necessária para que a música exista, como todos sabemos. Se a estória desse grupo tentando sobreviver no gelo não te interessa, o relevante é como se fala disso. É aí que a arte reside. Não no o quê ou no por quê, como diria o professor Roberto Bezerra, e como provavelmente concordarão os amigos ufizenses - rsrs.

E um cara que sempre teve isso, e pareçe que vai ficando cada vez melhor com o tempo, é uma figura gigante na música popular americana: Paul Simon. Sendo bem honesto, este texto era pra ser sobre ele - rsrs. Um disco dele, na verdade, que às vezes eu acho ser o meu favorito. Vai ficar para a próxima postagem de música - rsrs. Sem mais por hoje, vamos ouvir música! Sempre com outros ouvidos...  :)

terça-feira, 5 de abril de 2011

O Big Brother está te vigiando! - A origem do Grande Irmão

Tá... ok... eu sei que o título é apelativo e serve apenas para chamar atenção para o texto. Foi de propósito, foi mal. A razão, no entanto, é nobre.

Cada vez mais eu tenho a sensação de que se for pra passar (não perder) tempo com literatura ficcional, que valha a pena! Pelo menos tem sido esta minha postura de uns tempos pra cá. E 1984 é um exemplo de literatura ficcional que realmente vale a pena. Tudo bem que é muito fácil chegar aqui e dizer que um clássico gigante como esse é uma boa leitura. Quando George Orwell o escreveu em 1948 (48, 84, sacou?), dois anos antes de morrer, talvez ele não tivesse consciência das proporções que a obra fosse tomar. Ou talvez até, pensando bem, tinha sim, dada a temática da estória e o momento político mundial em que ele foi lançado, em 1949.

Conhecemos Winston Smith que trabalha em um dos ministérios de um regime absolutamente totalitário, no futuro distante de 1984. O Partido, único e permanente, governa Oceânia com um nível de opressão inimaginável. Oceânia, inclusive, é o nome que recebeu a união de vários antigos países formando um super bloco geo-político, que disputa eternamente uma faixa territorial (o norte da África, extendendo-se pel sul da Europa oriental) com outros dois grandes blocos, a Eurásia e a Lestásia.

Esta é apenas uma pequena parte da vasta realidade que Orwell cria em seu romance: há a Novafala, língua criada pelo Estado para reduzir o Inglês a apenas termos extremamente indispensáveis para a comunicação do Estado; recursos tecnológicos que soariam bastante engenhosos para seu tempo, como as teletelas, espalhadas por toda parte, inclusive dentro da casa de cada cidadão, através das quais as pessoas eram vigiadas constantemente pelo Grande Irmão (no original, Big Brother, figura patriarcal simbólica do Partido); as técnicas de Duplipensamento que permitem ao Estado mudar o passado e as noções mais profundas de realidade, através da violação de arquivos oficiais e notícias antigas; entre outros vários elementos, todos de um alto nível de criatividade.

Winston não consegue conter dentro de si um sentimento de revolta contra o Partido, o que o coloca em extremo perigo, pois como ele próprio já deixa claro desde o início do livro (pra que nós não alimentemos quaisquer esperanças de que ele chegue a triunfar - rsrs), "o pensamento-crime não leva à morte, o pensamento-crime é a morte". Não há como escapar - agora ou depois, se você for subversivo, mesmo que a um nível microscopicamente particular, você vai ser descoberto e isso significa a morte, sem qualquer possibilidade de dúvida. Seja sendo pego comprando um diário num bazar ou tendo suas micro-expressões faciais de hostilidade lidas pela teletela, você vai ser descoberto.

Deu pra sentir o drama? Tenso, né? Tudo começa a se descontrolar mesmo quando Winston se descobre loucamente apaixonado por uma colega de trabalho. Sua paixão se divide entre o desejo sexual avassalador que ele sente por Julia e sua vontade inexplicável de ir de encontro ao Partido. E isso me levou a uma reflexão inevitável, que certamente foi intencional da parte de Orwell: levando-se em conta o contexto social de repressão extrema e perturbadora em que este indivíduo vive, até que ponto estes sentimentos podem se confundir? Até onde a atração fatal (nossa, que brega ¬¬) que Smith sente pela voluptuosa Julia é apenas um reflexo de sua transgreção, de seu ímpeto de corromper as regras do Estado? E até que ponto sua vontade de se rebelar, todo seu engagamento político alimentado secretamente são apenas um reflexo de sua sexualidade reprimida por um regime que não permite qualquer tipo de desejo genuíno entre as pessoas? (...) Freud, sempre ele... ¬¬

Outra reflexão subjacente a esta: falando em "ímpeto", como alguém completamene inserido desde sempre, num mundo opressor, que instrui à força todas as pessoas a serem cegamente obedientes ao governo (e com sucesso), pode sentir qualquer vestígio de revolta? Certo que Winston se lembrava remotamente de um passado onde o mundo que abrigava sua infância ainda era o mundo que conhecemos, e essas lembranças, esses traços de afeição (sentimentos criminalizados pelo Partido) podem ter sido a semente da transformação dele. Contudo, essa observação não impede o leitor de se perguntar: existe de fato algo genuíno em nossa natureza, ou o homem é mesmo completamente um produto do meio? Existe de fato, por exemplo, um "impulso natural de justiça" tal que consiga promover em nós uma mudança drástica de comportamento, em momentos de extrema depravação da liberdade individual, mesmo que aquela tenha sido a única realidade que aquele sujeito já tenha conhecido?

Pra mim, 1984 atinge o ponto máximo de profundidade filosófica, e ao mesmo tempo de inventividade literária quando Winston Smith, já nas garras do Partido (eu disse que era inevitável, não reclame do spoiler), tem sua mente completamente despedaçada pelas sessões regulares de tortura física e mental, comandadas pelo temível O'Brien (glacial e cirúrgico em suas colocações). O que é a realidade, afinal? O mundo a nossa volta, nosso passado, as lembranças, tudo isso não é fruto de nossa percepção? A realidade não é, toda ela, um produto de nossa perspectiva? Então controlando-se a mente humana, não controla-se a realidade? Pra nós é fácil dizer "Ora, é claro que não! Tudo aquilo que existe está posto, e isso não dependente da minha vontade", mas imagine-se preso a uma sociedade totalmente diluída nesses processos de deturpação coletiva. Não é tão fácil. :/

George Orwell
Os americanos, na época completamente envolvidos em disputas políticas contra a União Sovética, receberam 1984 como uma crítica ferrenha ao regime totalitário stalinista. O livro, porém, metralha impiedosamente qualquer tipo de regime político absoluto que possa haver. Quando ainda bem antes de ser pego, Winston ouvia em seus sonhos premonitórios a voz grave e gélida de O'Brien dizer "Ainda nos encontraremos no lugar onde não há escuridão", eu entendi que ali, George Orwell, ele próprio, mandava subliminarmente seu recado de esperança para quem quisesse ouvir, apesar do final pessimista da estória. De que mesmo sob o domínio impiedoso do Big Brother, as grandes massas sempre serão mais fortes para superar a pobreza nefasta da ignorância e da superficialidade. (...) Sim, a ambiguidade foi intecional - rsrs.

Um pouco ingênuo? Talvez. Pelo menos nos leva a nos perguntar qual tipo de repressão vivemos hoje. De qualquer maneira, eu prefiro não perder as esperanças, embora o mundo que Orwell queria para seu pequeno filho quando se preocupou em escrever essa crítica social super sagaz, não era bem esse de hoje. Eu sou pai, eu sei bem como é.