sexta-feira, 1 de julho de 2011

Bloco ou não bloco: eis o São João.

Esse post será polêmico. Ok? Vamo nessa.

O São João de Estância-SE, assim como o São João da maiorira dos interiores Brasil afora, guarda (ou guardava, que é o que vamos discutir) algumas características em comum. Bastante ligados à vida rural, e a toda a cultura do campo de uma forma geral, fogos de artifício, comidas típicas a base de milho e amendoim, etc. A música, basicamente, trios compostos por sanfona, triângulo e zabumba. Com o tempo, o São João se modifica e vai se "industrializando", ganhando as cidades, atigindo um público maior. A música sofre grandes transformações, mas não vamos entrar nessa questão, pois rende muita discussão.


Hoje em dia, há um caloroso debate a respeito da autenticidade que há na presença de trio elétricos puxando "blocos juninos" nas ruas da cidade durante este período. O evento se assemelha muito ao carnaval baiano, salvo o fato de que o repertório é composto por músicas juninas, tocadas num ritmo mais acelerado, mais apropriado para se "dançar solto" e em movimento, o que acaba por revoltar ainda mais alguns estancianos, que argumentam que isto é um ato de "nulidade cultural", um gesto de pura inautenticidade, etc.

Sendo bem direto, acredito este posicionamento extremamente problemático, visto que representa um discurso descaradamente conservador. "São João bom mesmo era o do meu tempo!". Particularmente, esse tipo de fala me desagrada e preocupa profundamente, já que cultura sempre foi e sempre será uma longa cadeia de adaptações, traduções, hibridizações de comportamento, valores e costumes.

O professor da UnB Roque Laraia em seu Cultura: Um Conceito Antropológico, citando o  antropólogo inglês Edward Tylor e seu Primitive Culture (1871), afirma que "A diversidade é explicada (...) como o resultado da desigualdade de estágios existentes no processo da evolução." Talvez não seja muito ousado tentar traduzir essa ideia para a nossa realidade e para o nosso tempo, dizendo que este processo de transformação é o que se espera de uma determinada sociedade que se entende como tal e que se comunica com outros grupos sociais de cultura diferente. A noção de que uma se encontra num ponto mais avançado ou atrasado de evolução é que é ultrapassada, mas ideia de que qualquer povo sofre constante influência de outros meios é inegável! E é absolutamente normal!

Por sua vez, Stuart Hall, em seu A Identidade Cultural na Pós-Modernindade, postula que a identidade cultural do indivíduo é um conceito cada vez flutuante e variável. No mundo contemporâneo, pós-moderno e globalizado, é inconcebível pensar em uma cultura nacional pura, intocada e totalmente fincada em suas raízes. A nossa cultura, assim como no mundo inteiro, é um exemplo disso. O que é o tal "São João de raíz"? 

Bem, meu avô diria que São João mesmo é aquele da roça, ouvindo Luiz Gonzaga, dançando num chãozinho de terra pisada, dentro de um barraquinho, uma fogueira acesa, uma moringa com água fria, soltando balão, e diria que "São João na rua num tem nada a vê, não".

Meu pai diria que São João bom mesmo é que aquele na porta de casa, na cidade, ouvindo Alcymar Monteiro, tomando aquela cervejinha gelada, comendo milho assado, soltando só buscapé, porque balão causa incêndios.

Eu digo que me lembro do São João em casa, o tal "São João de rua", mas a minha raíz de São João, a minha vivência verdadeira e autêntica de São João é no Forródromo, ouvindo Calcinha Preta, Painel de Controle e Mastruz com Leite, me apertando no meio de 20 mil pessoas. Isso, pra mim, é São João.

Um grande número de pessoas deve ter achado um grande absurdo o carnaval ter saído dos saudosos bailes em pequenos salões ao som das velhas marchinhas, e se transformado no monstro econômico que é o carnaval das escolas de samba do Rio, ou nos grandes blocos baianos de Axé Music. No entanto, hoje em dia, já é consenso que não há nada tão "genuinamente carnavalesco" do que tudo isso.

Da mesma forma, daqui a dez anos, quando o Xamêgo de Menina estiver completando '20 anos de avenida', nossos filhos estarão absolutamente convecidos de que São João de verdade é bota no pé, calça e abadá! E de fato será!

Então, quando se diz "Isso é lá São João?!" eu pergunto: "Para quem?!". Da mesma forma, quando se fala em raíz, deve-se relativizar o quão fundo vai essa raíz. "Tem que voltar às origens". Ok. Origens de onde? De quem? Onde estão as origens? No lançamento de Dança da Moda nos anos 50? Na chegada da sanfona ao Brasil nos anos de 1800? Ou nos bailes da nobreza européia séculos atrás?


 A cultura não regride. Por mais que os gostos pessoais e o discurso engessado de grande parte da sociedade tente ignorar ou ir contra este fato, as diferentes culturas se comunicam e se rearticulam. E ao passo que nossa identidade não está eternamente petrificada num estado permanente, não se pode ignorar que, quer nós queiramos ou não, o São João se move! No caso de Estância, literalemente...