Obras confessionais são comuns na
literatura. Esta seja talvez uma das mais poderosas. O introspectivo Franz Kafka, grande influência do brasileiro
Murilo Rupião e tantos outros grandes nomes da literatura fantástica, gravou
seu nome na arte da narrativa com esta novela de 1912, que conta a estória de
Gregor Samsa que, numa manhã comum, acorda transformado num grande inseto.
A inexplicabilidade dos
acontecimentos são parte de seu estilo e compõe, em grande parte, todo um corpo
de lógicas alternativas à nossa realidade que o leitor deve assumir – aceitar –
logo nas primeiras linhas.
Confessional
porque através de todos os desdobramentos da narrativa e por entre detalhes
descritivos (um prato cheio para analistas e pensadores por décadas a fio),
revelam-se de certa forma, estórias do próprio Kafka, ou uma estória de vários
Kafkas se digladiando dentro da mesma mente. Sua relação particularmente
conflituosa com o pai, sua conturbada vida afetiva, entre outros aspectos
inevitavelmente refletidos em seus escritos, se põem sob a ótica extremamente
auto-analítica do autor, apesar da natureza obviamente fabulosa do romance. No
caso desta obra, especialmente, com um senso de inventividade mais maduro e
“enxuto” que em alguns de seus trabalhos anteriores.
Através da profundidade do olhar algo
familiar de Kafka à trajetória de Samsa, o inseto repulsivo em que ele se
transforma, trancado num dos quartos do apartamento (e trancafiado também pela
recusa de sua família em aceita-lo nessa forma), é compreendido através um
número de perspectivas, desde uma reflexão sobre dinâmica familiar até uma observações
sobre comportamento sexual.
De todo modo, antes mesmo de nos
atermos a quaisquer especulações a respeito da ligação do próprio autor com sua
obra, a leitura d’A Metamorfose já é
um deleite, tanto por ter em mãos a obra-prima de um gênio em plena forma, como
pelas perguntas por ela erguidas. Qual o verdadeiro significado da solidão? O quão
profundos são os laços familiares e até que ponto eles superam os instintos de
auto preservação de nós, criaturas
humanas? Kafka, quase patologicamente modesto que era, nunca imaginaria o
quanto chegou perto de responder isso com sua imaginação e talento soberbos.