segunda-feira, 23 de julho de 2012

A Metamorose de Kafka


Obras confessionais são comuns na literatura. Esta seja talvez uma das mais poderosas. O introspectivo Franz Kafka, grande influência do brasileiro Murilo Rupião e tantos outros grandes nomes da literatura fantástica, gravou seu nome na arte da narrativa com esta novela de 1912, que conta a estória de Gregor Samsa que, numa manhã comum, acorda transformado num grande inseto.

A inexplicabilidade dos acontecimentos são parte de seu estilo e compõe, em grande parte, todo um corpo de lógicas alternativas à nossa realidade que o leitor deve assumir – aceitar – logo nas primeiras linhas.


Confessional porque através de todos os desdobramentos da narrativa e por entre detalhes descritivos (um prato cheio para analistas e pensadores por décadas a fio), revelam-se de certa forma, estórias do próprio Kafka, ou uma estória de vários Kafkas se digladiando dentro da mesma mente. Sua relação particularmente conflituosa com o pai, sua conturbada vida afetiva, entre outros aspectos inevitavelmente refletidos em seus escritos, se põem sob a ótica extremamente auto-analítica do autor, apesar da natureza obviamente fabulosa do romance. No caso desta obra, especialmente, com um senso de inventividade mais maduro e “enxuto” que em alguns de seus trabalhos anteriores.

Através da profundidade do olhar algo familiar de Kafka à trajetória de Samsa, o inseto repulsivo em que ele se transforma, trancado num dos quartos do apartamento (e trancafiado também pela recusa de sua família em aceita-lo nessa forma), é compreendido através um número de perspectivas, desde uma reflexão sobre dinâmica familiar até uma observações sobre comportamento sexual.

De todo modo, antes mesmo de nos atermos a quaisquer especulações a respeito da ligação do próprio autor com sua obra, a leitura d’A Metamorfose já é um deleite, tanto por ter em mãos a obra-prima de um gênio em plena forma, como pelas perguntas por ela erguidas. Qual o verdadeiro significado da solidão? O quão profundos são os laços familiares e até que ponto eles superam os instintos de auto preservação de nós, criaturas humanas? Kafka, quase patologicamente modesto que era, nunca imaginaria o quanto chegou perto de responder isso com sua imaginação e talento soberbos.