A primeira vez que ouvi falar de
John Steinbeck foi assistindo Lost (sim, sei o que é decepção na vida). O personagem Ben
fazia uma analogia sinistra entre o que ele vivia naquele momento e a dupla
principal de personagens de ‘Of Mice and Men’ (Sobre Ratos e Homens). Esse nome
ficou em minha cabeça por muito tempo, até que, lendo na internet uma dessas
listas de “maiores clássicos da literatura de língua inglesa”, me deparei com o
poderoso título ‘The Grapes of Wrath’ (As Vinhas da Ira). Ao perceber que era
de Steinbeck, que há tanto tempo habitava a região nebulosa da minha memória
chamada Associações Culturais Razas & Conhecimento Quase Zero Sobre
Assuntos Diversos, decidi que este seria o meu passa-tempo nas viagens
matinais para o estúdio Mojo em Aracaju, durante as gravações do Alma de Carbono.
Eu só não esperava que fosse ler
uma das estórias mais poderosas e bem contadas que um ser humano já foi capaz
de criar. Steinbeck nos leva para o seio da família Joad, que é despejada de sua
propriedade em Oklahoma pelos banqueiros arrendadores das terras, durante a
crise econômica de 29. Com isso, Tom Joad e sua família são forçados a rumar
para o oeste em busca de trabalho e dignidade na Califórnia, onde sofrerão uma
série de perdas e mudanças profundas na família.
É possível supor que, com sua grafia inovadora e fiel ao falar caipira do meio-oeste americano, e com seus recursos
narrativos ~únicos~, Steinbeck transmite as bases de suas principais filosofias sociais,
através de seus intrigantes personagens-chave, de uma forma extremamente
simbólica e rica.
O agrarianismo jeffersoniano personificado em Grandpa e Pa Joad, avô e pai da família que, destituídos de sua terra, sucumbem a momentos de insegurança e perda da própria identidade; o pragmatismo de Ma Joad (mãe) e Tom Joad (segundo filho), que reagem de forma prática e realista a cada dificuldade que se levanta (em contraponto à religiosidade sistemática, idealista e desconectada de Grandma, a avó) e são os primeiros personagens a ampliar suas noções de família de um conceito nuclear e fechado para uma ideia mais aberta e humanista, em que todos os semelhantes ao seu redor precisam se unir e se amar, principalmente em tempos difíceis, pois são parte de um só espírito superior.
O agrarianismo jeffersoniano personificado em Grandpa e Pa Joad, avô e pai da família que, destituídos de sua terra, sucumbem a momentos de insegurança e perda da própria identidade; o pragmatismo de Ma Joad (mãe) e Tom Joad (segundo filho), que reagem de forma prática e realista a cada dificuldade que se levanta (em contraponto à religiosidade sistemática, idealista e desconectada de Grandma, a avó) e são os primeiros personagens a ampliar suas noções de família de um conceito nuclear e fechado para uma ideia mais aberta e humanista, em que todos os semelhantes ao seu redor precisam se unir e se amar, principalmente em tempos difíceis, pois são parte de um só espírito superior.
E é exatamente este último aspecto que mais nos remete à ideia do Oversoul de Ralph Waldo Emerson, tão bem encarnada no ex-padre Jim Casy, amigo de Tom que embarca na viagem da família Joad e acaba por se tornar uma espécie de figura messiânica na narrativa, um Jesus Cristo redneck, que em mais de um momento se sacrifica pelo bem comum, e constantemente se ocupa de questionamentos existenciais super profundos, como a suposta natureza transcendental do nosso espírito, o conceito de certo e errado, etc, enquanto produz referências constantes ao Novo Testamento seja com ações ou palavras (a começar pelas iniciais JC).
Amarei para sempre essa maravilha.
Ivan, essa bela resenha já é em si mesma testemunho da atualidade do romance. Em tempos de Donald Trump e Michel Temer, em tempos de uma absurda e anacrônica expansão do pensamento conservador neoliberal, a leitura de Steinbeck se potencializa. Sem saber, ele escreveu também sobre os retirantes brasileiros, sobre os nossos sem-terra e sobre tantas famílias aprisionadas em seus próprios sonhos. Quem sabe a dignidade das personagens d'As Vinhas da Ira não nos ofereçam algum alento para os dias sombrios em que vivemos?
ResponderExcluirParabéns pelo blog. Abraço.
Com certeza Professor, atualíssimo.
ResponderExcluirObrigado por ler e pelas observações, como sempre tão valiosas!
Abração!