domingo, 29 de maio de 2016

Não Deixe Suas Opiniões Políticas te Transformarem num Canalha

A polarização política no Brasil está chegando a um ponto inconsequente. Têm dividido opiniões em coisas que todos deveriam pensar da mesma forma. Sem relativismos, sem problematizações (e olhe que eu sou de humanas!).
Se uma pessoa é estuprada, não há debate, não há opinião possível. É abominável e pronto. A garota estuprada poderia, no momento do ato, ter estado fora de casa a mil anos, nua, no meio da rua, com duas AK47 nas mãos, bêbada, drogada, ou mesmo ~pedindo~ pra que fizessem isso com ela. Alguém deveria ter dito "ela não sabe o que está fazendo, vamos levá-la pra casa". Não é sob esse tipo de circunstância que se faz sexo com alguém. Se isso te parece absurdo, você é parte do problema, simples assim.
Quando um homem tem seu celular ou relógio caríssimo roubado, não se critica o consumismo que o leva a gastar R$4000 num iPhone ou R$400 numa camisa Ralph Lauren. Critica-se exclusivamente a tal criminalidade aparentemente inerente aos pobres, tudo da forma mais essencialista, maniqueísta e perversa possível. Essa é a prova fatal de que a violência é menos grave quando atinge uma mulher ao invés do seu patrimônio.
Ou não?
Aparentemente vale tudo pra escapar do cerne das questões quando elas realmente ameaçam uma estrutura qualquer, basta que esta seja confortável para um determinado grupo. É o que acontece quando querem transformar o debate sobre o golpe e a ditadura militar no Brasil num problema linguístico. Não importa se foi "revolução ou golpe", "regime ou ditadura", importa que pessoas foram torturadas, mortas, levaram choque em sua genitália, sumiram das suas famílias pra sempre, pessoas não podiam se expressar, havia corrupção ~sim~ e a economia foi milagrosamente para a lama. Isso é maior que qualquer embate léxico.
Fico de cara.
Em 2016, não basta entender o que significa "cultura", o que quer dizer "estupro", mas não conseguir traduzir socialmente o que significa "cultura de estupro", e com isso transformar uma questão séria e ~real~ numa questão idiota de vocabulário. Covardia ou cinismo? Estudar e querer saber de verdade ainda valem a pena. A internet é um oceano de água doce com pessoas morrendo de sede na praia.
A polarização política do Brasil chegou a um ponto que, se uma garota é estuprada por 30 caras, e as feministas se revoltam, bem feministas geralmente são de esquerda, e esses papos de direitos humanos são coisa de maconheiro, eu não posso concordar com um missangueiro petralha. Então a culpa é da menina.
?
As duas perguntas inevitáveis são:
1) O quanto menos culpa a menina teria se o shortinho custasse R$500 e ela fosse abordada voltando pra dormir na zona sul?
2) Porque será que causas como a das mulheres estupradas encontram afago no posicionamento de simpatizantes acéfalos dessa esquerda desmoralizada, e apenas pau e pedra entre os defensores da família e bons costumes?
A quem quiser continuar achando que os temas de redação do ENEM não passam de doutrinação descarada e desnecessária, ou quiserem mais uma vez, transformar a pergunta 2 numa questão semântica sobre a relação controversa "história da esquerda x direitos humanos", tudo da forma menos pragmática, menos 2016, menos contextualizada, mais erudita, mais simplista, mais kataguirística, mais bolsonarística possível, fiquem à vontade. Só não deixe suas opiniões políticas te transformarem num canalha.

3 comentários:

  1. Belo texto, Ivan! Que bom que voltou a escrever aqui nesse blog. Abraço.

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  2. Belo texto, Ivan! Que bom que voltou a escrever aqui nesse blog. Abraço.

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