Longe de mim ter a prentensão de poder
analisar Freud. Não passo de um fã super empolgado com as redescobertas que a genialidade desse cidadão proporciona até hoje. A importância desse gênio austríaco, inventor da psicanálise, é algo que eu acredito não precisar de explicações. Vários termos difundidos por ele estão no nosso vocabulário, às vezes usados de maneira equivocada, verdade, mas isso já demonstra a força da presença de suas ideias na nossa vida.
Falando em conceitos, talvez a leitura dessa obra formidável, Das Unbehagen in der Kultur (O mal-estar na cultura), se torne pouco fluida para quem ainda não domina plenamente esses termos. Meu caso. Mesmo assim, palavras como "sublime", "libido", "subconsciente", "recalcado", comuns no nosso dia-a-dia, se tornam mais claras aqui nessa jornada, sinal de que o velho também pensou em quem nunca tinha lido nada dele antes, como faz em todos os seus textos. Leva algumas linhas, inclusive, até que o leitor novo, pouco ciente do apreço de Freud pela literatura, se dê conta de sua utilização de personagens mitológicos para ilustrar aspectos de nossa personalidade, por assim dizer. Como Eros, que representa nosso impulso de construção, uma "pulsão positiva" de contato, a tendência de direcionar nossa libido em direção ao outro. Daí o termo erótico. Conhecemos também Tânatos, que representa o oposto disso. É a nossa pulsão de destruição, um desejo de corromper inerente à nossa natureza.
A nossa natureza, bem lembrando, é um dos alvos mais constantes desse estudo de 1929. Eu, de minha parte, por mais ingênuo que eu possa soar com isso, acredito que mesmo da forma mais terrível que a gente venha a conhecer mais sobre nós mesmos, a gente se torna melhor (ok, depois explico*). Digo isso porque a nótícia que essa leitura nos traz não é das mais agradáveis: nós, seres humanos, não fomos 'programados' para a felicidade. A fragilidade de nossa composição física, a hostilidade do ambiente que nos cerca, tudo que compreende nossa existência não é lá muito favorável pra sertirmos felicidade.
Pra apoiar seu pensamento, Freud empreende uma busca aos primórdios da humanidade, um trabalho de pesquisa antropológica inacreditável, na qual ele próprio se revela um grande criador de mitos. O pai da psicanálise propõe passagens da vida do animal homem que explicam traços de nosso comportamento atual (alguns exemplos de recalque, principalmente) , que se comparam - concordando aqui com Márcio Selingmann-Silva - a autores da Bíblia e de outros grandes compêndios que delineiam as sociedades atuais.
A plausibilidade de suas propostas é que nos impede de torcer o nariz logo de cara. Não tem como permanecer totalmente cético, por exemplo, à ideia de que o tabu atual em relação à menstruação tem a ver com a mudança de postura do homem primata, que antes andava curvado, de quatro, e depois fica ereto. O principal atrativo sexual da fêmea deixa de ser o cheiro de sua genitália durante o ciclo menstrual (com a mudança de postura, o nariz se distancia da região genital) e passa a ser visual - a apreciação do corpo da mulher. O cara sabia o que tava falando, faz sentido - rsrs.
E ir tão longe na nossa história em cima da face da Terra se justifica tão somente na necessidade de entender nossas origens - como se formaram as primeiras famílias, os primeiros traços de cultura do homem, etc. Só assim a gente consegue perceber de que maneira a cultura (e por cultura entenda-se tudo que o homem criou/descobriu e que o eleva pra além da condição de animal que era) nos protege, representa segurança e ao mesmo nos torna infelizes e frustrados.
O homem é um bicho hostil. Fato. A princípio, sim. A gente gostar uns dos outros, vivermos juntos, isso tudo isso já é cultura. A culpa que a gente sente ao atender a um impulso primitivo é a
cultura que temos nos dizendo que isso está errado. A
violência é um impulso primitivo. No fundo somos assim. Impulso. A contenção desses impulsos, idependente de serem
positivos ou
negativos (também conceitos
culturais), já representa um grande empecilho à sensação de felicidade.
Entre tantas outras descobertas, esse Freud já maduro (um pouco amargurado até), escrevendo uma de suas últimas obras, nos leva a refletir a respeito de nossa trajetória no mundo. E, mais do que isso, saber um pouco mais sobre a tal felicidade que a gente tanto busca. Em suas primeiras percepções, já constata que o ser humano aprecia "o contraste, e muito menos o estado" das coisas. Como uma pessoa que, deitada na cama numa noite fria, cobre a perna para logo então descobrí-la de novo. :) E isso, eu aposto que desencadeou uma série de outros exemplos no pensamento de você, amigo, que ainda está lendo isso até aqui.
*E é exatamente aqui que eu acredito que toda essas descobertas, insignificantes para alguns, aterradoras para outros, podem se converter am algo positivo (talvez seja essa a razão da postagem). A gente lida melhor com o que conhece, inclusive nós mesmos. Sabendo mais sobre nossa própria composição psíquica, a nossa mesura de comportamento se torna mais precisa. Nos tornamos melhores, pois. Se distanciando da cilada (muito bem observada pelo velho austríaco) de confundir tentar ser feliz com conseguir não ser infeliz, a base da vida de um grande número de pessoas. Eu, já servindo de exemplo do que esse grande ídolo disse, já me sinto mais feliz por não ter sabido disso antes e estar sabendo agora.
Vou ficando por aqui, pois nem que eu escreva 10 páginas, não vai ser suficiente, nem vai se comparar a ler 2 parágrafos de Freud. Como diriam Paulo Endo e Edson Sousa em um dos prefácios, esta é uma "transformadora viagem".
Me transformou de algum modo, sem dúvida.